segunda-feira, 12 de maio de 2014

"A quem interessar possa

Se estão lendo este documento, significa que eu dei o golpe final da leucemia e estou morto. Obviamente não foi assim que planejamos os acontecimentos, mas, nem sempre tudo acontece como queremos.

Descobri os primeiros sintomas quando Lilianne e eu estávamos em Lua de Mel na Patagônia, em dezembro de 2011. A princípio não dei muita atenção pois nunca se espera sofrer de leucemia, sempre pensamos ser algo mais simples como uma gripe difícil ou alterações hormonais para explicar as infecções indesejáveis.

Entretanto, em março iniciei uma bateria de testes para descobrir o que se passava, já que os processos infecciosos só pioravam, havia acabado de passar por um segundo episódio de pneumonia em curtíssimo espaço de tempo, além de outras manifestações pelo corpo. O primeiro exame que pegou blastos no meu sangue periférico foi de abril de 2012, passou desapercebido pela clínica geral que me atendia. Terminei os testes físicos e estava bem em tudo, com uma anemia controlável, amena.

Em meados de maio repeti os exames de sangue e me foi indicado procurar um hematologista o quanto antes. Consegui uma consulta para o dia 25 de maio de 2012, aniversário da Lilianne, com a Dra.Patrícia Torigoe, a quem deixo meus profundos agradecimentos a propósito pelo atendimento sensacional. De seus lábios escutei o que esperava pois já havia estudado meu exame de sangue, eu tinha leucemia. Bastava definir qual era.

No mesmo mês de maio me internei pela primeira vez no hospital Santa Paula para fazer tais exames e biópsia, que poderiam nos dar uma resposta sobre o nome da leucemia, e foi meu primeiro contato com o Dr. Sérgio Brasil, outra pessoa fantástica a quem não há como agradecer plenamente.

Os resultados foram inconclusivos, a medula óssea estava hipoplásica, lenta, em um aparente estado de Síndrome Mielodisplásica. Como o estado ainda era de transição, aguardamos mais um pouco para ver como tudo acontecia. Neste mesmo tempo, fui encaminhado pela Dra. Patrícia a ver o Dr. Frederico, encarregado do TMO do Hospital das Clínicas na época, para que ele me avaliasse como candidato a transplante de medula óssea.

Ele o fez e marcou já um segundo teste da medula óssea para a manhã seguinte, e assim me tornei paciente também do Hospital das Clínicas, Unidade de TMO, sob os cuidados da hematologista Dra. Maria Cecília.
A partir de então, fui inserido como receptor de medula óssea no cadastro do REREME, que trabalha em conjunto com o cadastro de doadores de medula óssea, o REDOME. Isso aconteceu em outubro de 2012. No mês anterior visitamos, eu e Lilianne, minhas irmãs no Rio de Janeiro, e duas semanas depois elas vieram em São Paulo para realizarmos o teste de compatibilidade para ver se alguma delas poderia ser minha doadora, negativo para as duas.

No final de ano e ano novo de 2012 para 2013 senti diversas alterações em meu corpo e decidi voltar ao hospital, temendo o pior. Este se confirmou, meu estado de síndrome mielodisplásica havia se alterado para Leucemia Mielóide Aguda. Decidimos iniciar imediatamente o tratamento quimioterápico de indução, e isso já significaria uma internação de longo prazo.

Esta primeira etapa foi difícil, e quase morri, mas sobrevivi para contar a História. A partir de então decidi compartilhar com todos, publicamente, os melhores e os piores momentos, independentemente dos resultados. Continuei o tratamento. Em março um possível doador apareceu associado ao meu nome e iniciaram os testes para verificar a compatibilidade para transplante. No dia 02JUN2013 entreguei pessoalmente no laboratório do REDOME dois tubos com amostras de sangue minhas para realização do teste de HLA ampliado, exame este que NUNCA obtive um retorno, nunca. Segui meu tratamento e após todas as quatro consolidações, a leucemia voltou imediatamente, e tudo recomeçou.

A partir daí deixo esta História de lado e manifesto algumas observações.
Aqui que explicito minha indignação.

O mais importante para este país é cerveja gelada, futebol na TV, e reality shows inúteis que não adicionam nada à vida de ninguém. Só vendem o corpo como mercadoria, coisificando relações interpessoais.

Me ENOJA ligar a TV na esperança de ver alguma notícia e não conseguir, pois todos os telejornais priorizam noticiar o futebol, cujo tempo total do programa provavelmente deve ser de metade do tempo útil. Nos intervalos, os comerciais de televisão priorizam carros novos cada vez mais velozes para uso urbano (não entendo, como querem reduzir a quantidade de acidentes fatais no trânsito com verdadeiras máquinas assassinas nas mãos de condutores irresponsáveis!?), empréstimo de dinheiro a juros, programas de TV inúteis como os já citados dentre outros como "Domingão do Faustão" (francamente, que atraso mental!), "Esquenta" (é esse mesmo o nome dessa porcaria?), dentre tantos outros, diversos comerciais de cerveja que sempre exploram o corpo da mulher brasileira para manipular o cérebro facilmente "manipulável" dos bêbados de plantão, e por aí vai... Raramente, eu disse RARAMENTE, observa-se UM comercial de doação de sangue.

Entretanto nunca, NUNCA vi um comercial incentivando as pessoas a se cadastrarem como doadores de medula óssea, ou sequer explicando como é o procedimento para que não exista o medo mortal que hoje se constata, visto que aproximadamente metade dos cadastrados desiste de doar quando convocados, e oferecidos a HONRA de salvar uma vida. Isto é patético. Nesse meio tempo, o governo baixa uma lei limitando o número de cadastros de doadores de medula óssea no país. Dá pra acreditar? Fácil de se entender, difícil de se compreender.

Com tantos cadastros ocorrendo, as chances de pessoas como eu de encontrarem um doador compatível aumentam, e como tudo é pago pelo SUS, e um transplante de medula óssea (procedimento de ponta a ponta, exames, quimioterapia pré-transplante, transplante e complicações possíveis que o paciente sofra após o transplante) é realmente muito custoso. Se muito é gasto com cada vida, rouba-se menos. As mansões não ficam prontas a tempo, e um João Ninguém atrapalha tudo só porquê tem câncer não é mesmo? Este é o nosso país amigos. Abdico dele. Fiquei triste demais para continuar fazendo parte deste mundo hipócrita e sem valores, sem honra, sem respeito. Breve recado para minhas irmãs, sobrinha, cunhados e cunhadas, minha sogra, avó, Oma, tias e tios: Não lamentem minha morte. Lembrem-se, morrer faz parte da vida. É a única certeza que temos quando nascemos. As vezes ela chega cedo, as vezes ela chega tarde. Pra mim é fácil, pra vocês dói. Administrem as dores me celebrando como eu era, vejam minhas fotos, façam piadas, mas não lamentem.

Ajudem por favor a Lili, o início será muito difícil, eu sei. Minhas mais sinceras desculpas à minha viúva Lilianne Schmidt. Prometi um produto e não entreguei, me perdoe. Em nosso casamento eu chorei emocionado pois queria que minha mãe visse o acontecimento, queria que ela visse o filho dela se casando com você, mulher linda por dentro e por fora, de coração grande, inteligente, trabalhadora, e compreensiva com minhas viagens pelo mundo, necessidades inusitadas de um aventureiro pleno, obrigado por tudo. Lembre-se, sempre lhe respeitei, sempre lhe amei, mas agora, peço que recomece sua vida. Não sofra por muito tempo, tens sua vida inteira pela frente. Demoramos cerca de oito meses para conseguir ter acesso ao meu cadastro, vez que o único médico que pode acessar e verificar por novos possíveis doadores é o médico que me cadastrou no REReme, a Dra Maria Cecília. Infelizmente na virada de 2013 para 2014 toda equipe de hematologia do TMO do Hospital das Clínicas foi trocada, e comecei do zero. Depois de muitos e-mails, brigas, ameaças de denúncias à rede televisiva (que de fato não se interessou: (Band, Globo e SBT), o Dr. Sérgio conseguiu meu cadastro com o Dr Ulysses, novo chefe do TMO do Hospital das Clínicas. Quando me deu a notícia fiquei maravilhado.

 Entretando, dois ou três dias depois descobrimos que era tarde demais ter seis (6) possíveis doadores. Minha Re-re-indução falhou, assim eu estaria inapto a fazer um transplante. Irônico não? NÃO! Absurdo! Morosidade e Burocracia do SUS brasileiro, onde só interessa a quem rege desviar verbas construi mansões e comprar carros importados...

Paulo Roberto Felipe Schmidt Síndrome Mielodisplásica/ Leucemia Mielóide Aguda Motivo da morte: Morosidade do processo de testes e realização do transplante de medula óssea/ decisão inteligente do governo de cortar a chance de vida de milhares de brasileiros e estrangeiros que poderiam ter sua vida salva por um de nós/ Desgosto com a nação."

quarta-feira, 5 de março de 2014

Bom, como dizer isso..

No dia 27FEV2013 recebi o resultado final da imunofenotipagem e do mielograma. A Re-re-indução falhou completamente também. As contagens de leucócitos só subiram alguma coisa porque eu estava direto no Granulokine. Ponto.

O que fazer agora? Bem, passei do status de um leucêmico para um paciente terminal de leucemia. Não há mais o que ser feito.

Poderíamos tentar repetir este protocolo de novo, mas estou tão fraco e magro que eu não suportaria mais dez dias de tratamento. Simples assim. Existia também outra opção de juntar uma terceira droga nova ao ara-c e ao Mitoxantrona para montar um protocolo novo, que aumentaria a chance de zero para uns cinco por cento. Ao procurar pela droga, o Dr S descobriu que não há no Brasil.

A terceira e última opção é jogar a toalha. Terminar o anti-fúngico e aguardar pra ver se as plaquetas estabilizam um pouco pra eu ter alta. Precisando, volto aqui, recebo uma aférese e vou pra casa no dia seguinte. Apesar de ser esta a escolha que eu e minha esposa fizemos, não é literalmente "jogar a toalha", estamos tentando tratamento alternativo com pariri, brocolinol e um protocolo de homeopatia contra leucemia. É o que posso fazer, é o que tem pra hoje...

Não sei quanto tenho, a estimativa dos médicos é de 30 a 60 dias. Quando as dores ficarem insuportáveis, volto pra cá, me interno, e sou colocado em coma induzido para não sofrer uma morte agonizante horrenda.

É isso...

Abs a todos.



Lutei enquanto pude usando a medicina tradicional....agora, se eu tiver alguma chance de sair daqui, lutarei com a medicina alternativa. \estou aqui ha 62 dias e contando, sem data prevista para alta, pesando só 59kg.

Paulo Roberto Felipe Schmidt

36 anos

Só mais um.