quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Marins dá gases!

Olha vou contar uma coisa pra todos, se tem uma montanha que adiei por muito tempo foi esta. Nos últimos 45 meses marquei “N” vezes pra fazer a travessia Marins – Itaguaré, uma das mais tradicionais pro montanhismo nacional, mas nunca rolava por algum motivo. Cancelamento meu ou da companhia, da carona, tempo ruim, falta de grana, enfim, alguma coisa sempre atrapalhava. Desta vez não atrasei mais, entretanto a pendência do Itaguaré continua! Uma segunda visita ainda este ano tem que rolar. Em relação ao título do relato, bem, a explicação será evidente no decorrer da leitura!

Não preciso nem explicar pro pessoal que acompanha o altamontanha ou meu blog alguma coisa sobre a travessia. Muita gente começa a vida do montanhismo lá e talvez por isso mesmo se apaixone e nunca mais abandone levando em consideração a beleza do maciço que realmente impressiona. Até apostaria que sim. A travessia Marins – Itaguaré dispensa apresentações, o nome fala por si só. Aliás, engraçado eu falar sobre a tradição da trilha logo de cara no começo do meu texto, vi lá o Wagner do CAP com vários alunos do curso básico de montanhismo. Daquele grupo aposto que alguns talvez fiquem traumatizados e nunca voltem à atividade, mas outros certamente irão “seguir carreira” nas diversas montanhas que temos por aí.

Pedro e eu marcamos com antecedência a investida, pelo menos duas semanas. De última hora a Camila conseguiu se juntar a nós e assim sendo o final de semana ficou bem legal pra todos nós, como sempre, muito divertido e agradável.

O começo foi muito cansativo como não poderia deixar de ser. O Pedro saiu de Curitiba por volta de 20h30minh e só chegou à minha casa 02h30minh da manhã! Já chegaram sonolentos e partimos todos meio que zumbis. Camila dormiu e eu e Pedro ficávamos conversando o tempo todo pra evitar que ele caísse no sono conduzindo o carro. Quando paramos na estrada pra comer um café da manhã no arco-íris eu já estava perdendo a batalha com o sono, era difícil manter os olhos abertos ainda mais puxar assunto. Ainda bem que nessa hora revezei com a Camila que passou pro banco dianteiro e eu fui pro traseiro pra dar uma cochilada. Não adiantou muito (risos), eles começaram a contar piadas um pro outro e acabou que só dormi entre trinta e quarenta e cinco minutos, as risadas me chamaram atenção e acabei entrando na brincadeira.

Chegar à fazenda já foi um martírio, ficamos bem perto de desistir por causa da estrada cheia de lama e a falta de um 4x4 pra subir aquilo ali. Como escutei o Pedro xingar o carro...risos.

Acabou que com algumas insistências o batmóvel conseguiu superar os obstáculos e chegamos lá. Fomos recepcionados pelo Milton e começamos a bater papo. Foi nesta hora que conhecemos o pessoal do CAP e alguns de seus alunos, todo mundo pronto e muito animado pra começar a pernada.

Demoramos bastante até pra começar a andar e pra ser sincero nem me lembro o horário exato que começamos, tinha muito sono. De qualquer maneira, depois de alguns passos e só umas quatro ou cinco curvas de trilha rumo à estrada que nos levaria até o morro do careca, eu já gotejava suor. Nossa que calor fazia... Levamos exatos quarenta e cinco minutos até o morro do careca onde nem paramos, seguimos subindo. Mais um pouco e chegamos ao primeiro mirante já nos 1.900 metros de altitude. Ali sentamos para um lanche/ café da manhã e hidratação. Dois minutos parados foi suficiente pro vento dar frio, mas mesmo assim ficamos parados ali bons quinze minutos, até sermos alcançados por alguns membros do grupo do CAP. Levantamos e continuamos a subida.

O calor aos poucos foi amenizando conforme ganhávamos altitude e nuvens insistiam em ficar sobre o maciço. Até lenticular sobre o Marins teve! Mau sinal, mas que desta vez não foi indicativo efetivo de mau tempo, pois nada rolou. Ganhamos distância dos grupos avançando com mais velocidade e rapidamente passamos pelo último cocuruto acima do careca, se não me engano o segundo. Dali em diante teríamos que contornar o próximo morro pela esquerda e o fizemos. Ali a altitude já era em torno dos 2.100 metros.

Passamos por este morro e ali estava, o último obstáculo pra entrarmos de vez na zona de crista do maciço do Marins e Marinzinho. Ali a subida também é pela esquerda, e assim fomos seguindo o excesso de marcações nas rochas, desnecessárias é claro já que a trilha é muito bem batida a todo tempo.

Chegamos ao crux da trilha, um meio trepa pedra meio escalada de uns quatro metros de altura. Ali deu um pouquinho de trabalho porque foi difícil pra Camila subir com mochila. O problema foi ela começar com a mochila e ficar com dificuldade do próximo movimento já no meio do caminho. Tive que deixar minha mochila e pegar a dela enquanto o Pedro ficou abaixo dela pro caso de uma queda. Depois disso ela subiu sem problemas.

Avançamos os metros finais e finalmente chegamos ao topo desse morro que dá acesso a crista. Tivemos a primeira visão do Marins e Marinzinho, um vale fantástico no meio deles cuja altitude varia entre 2.200 metros e 2.250 metros. Fiquei sem fôlego pela esticada final e pela vista. Deveria ter subido esta montanha anos atrás. Privei-me desta vista por muito tempo! Tudo lindo demais...

O vento seguia muito forte e em alguns momentos acredito que facilmente dava entre 50 e 60 km/h. Ventava muito. Atravessamos este vasto cume e seguimos até a descida oposta dele adentrando de vez no vale. Atravessamos o charco que ali fica e chegamos a um pequeno espaço de acampamento que pode ser categorizado como perfeito. Um espaço que comporta confortavelmente três barracas, completamente plano e de terra. Água potável a apenas 50 metros de distância e cercado de mato alto, o que oferece alguma proteção contra vento. Não muita, mas alguma. A altitude desse local é de 2.240 metros.

Escutei falar muito sobre a trilha do Marins, e sempre comentários de dificuldade. Não vi nenhuma dificuldade na trilha até lá. É bem batida, tem marcações até demais, e poucos lances expostos. Com atenção e cautela é até fácil demais. Chegamos lá cedo e tivemos o resto do dia pra fazer nada. Então depois do almoço tiramos um cochilo pra tentar amenizar os efeitos da privação de sono pra todos.

Aparentemente não foi suficiente. Combinamos de levantar às 17:00h pra subirmos o Marins e ver o pôr do sol do cume. Levantei na hora e chamei o Pedro, nos preparamos e quando chamamos a Camila, ela perdeu pra preguiça, sono. Não quis ir. Então tocamos pra cima só nós dois, as câmeras e as lanternas pra descida.
A subida é fácil também, o desnível é pouco, então contamos com a sorte subindo sem pressa parando pra fotografar diversas vezes. Acabou que demoramos mais que o programado por causa de tantas paradas e acabamos vendo o pôr do sol ainda abaixo do cume, a cerca de 2.340 metros. Mesmo assim, que pôr do sol...Belíssimo! Fizemos diversas fotos do céu pintado de vermelho. Antes da subida final, de cara pras rampas da montanha, consegui uma foto de alpenglow no Marins! A rocha estava laranja – vermelho de tão forte que estava a cor da luz solar. Bonito demais.

Chegamos ao cume depois de 45 minutos que deixamos o acampamento. Estava escuro já. No topo só encontramos o Faustino, natural de Mogi das Cruzes e que começou a subida conosco. Estava lá sozinho com o Buddy, cão do Milton da fazenda! Fizemos mais algumas fotos lá no topo, alguns vídeos. Pedro mediu o cume e encontrou 2.427 metros de altitude. Conversamos por um tempo com o Faustino (deixo um abraço) e já na escuridão total começamos a descer.

Sair da parte mais perigosa durante a noite (as rampas) foi fácil. Paramos no acampamento do pessoal do CAP, instrutores e alunos, e batemos um longo papo com o Wagner (fica aqui um abraço também). O trabalho maior foi sair dali até o acampamento. Nos perdemos por causa da escuridão total e não sei, talvez pela mudança de pressão o GPS não estava muito fácil de interpretar. As vezes íamos pra um lado e ele apontava a trilha pro outro. Voltávamos e ele apontava pro outro lado. Ficamos deliberando e perambulando ali por quase meia hora até que finalmente conseguimos reencontrar a trilha, já perto das barracas, só cerca de 150 metros em linha reta.

Ainda esbarramos com mais gente subindo, um trio. Um deles me conhecia e elogiou minhas fotos, olha que legal. Era o Gerson do site marinzeiro (www.marinzeiro.com). Mais um abraço registrado!

Chegamos à barraca e a Camila já tinha chegado à conclusão de que deveria ter nos acompanhado até o cume. Observou a iluminação do pôr do sol na montanha e percebeu quão bonito foi o espetáculo! Mostramos os registros e ela viu como foi. Realmente, preciso voltar ao Marins com mais calma!

Daí pra frente já preparamos nosso jantar, comemos papeando e não sei de onde veio o primeiro barulho, mas um problema seriíssimo de escapamento de gás natural começou na montanha. A cada escapamento, cujo som vinha ora de uma barraca ora de outra, uma sessão de gargalhada cortava o som do vento incessante na montanha. Estávamos sós ali então não tinha pudor, virou zona mesmo kkkkk...o vazamento na minha barraca continuou a noite toda, não sei do lado de lá.

Acordei pouco depois das três da manhã com a barraca balançando, como acordei assustado cheguei a pensar “onde estou?” com aquele vento andino. Segundos depois lembrei que estava na Serra da Mantiqueira mesmo! Nossa, como ventava. O barulho do vento na minha barraca era tão alto que eu não consegui dormir mais. Estava apertadaço pra urinar, mas ficar dentro da barraca naquela ventania era muito mais agradável (mesmo apertado) do que ir do lado de fora regar as plantas no vento. Ainda me arriscava a tomar um banho.

Contei ovelha, virei pro lado esquerdo, pro lado direito, repeti o processo tantas vezes que perdi a conta. Olhava pro relógio de dez em dez minutos achando que meia hora no mínimo tinha se passado, que decepção! E a ventania rasgava a relva lá fora...

Finalmente, depois de setenta e sete horas nas minhas contas, apenas três no relógio, levantei em definitivo e chamei o Pedro e a Camila. Recebemos na noite anterior a péssima notícia de previsão de chuva pro domingo, então nossa intenção de ir de ataque até o Itaguaré e voltar foi abandonada. A Camila não iria, então a deixaríamos sozinha por muito tempo lá até voltar provavelmente sob chuva.

Nossa opção não menos bela porém consideravelmente mais próxima foi ir ao Marinsinho de ataque e na volta subir o Marins com a Camila. Depois de um farto café da manhã e mais escapamentos com respectivas gargalhadas, começamos a caminhar pra subir o pico. Aliás, penso que o Marinsinho deve ser reconhecido como um pico. A distância em linha reta do cume do Marins pro Marinsinho é de 1.2 km, o vale que os separa chega a ter 400 metros de profundidade. Uma grande falha corta a encosta do Marins e passa mais abaixo do topo do Marinsinho, muito abaixo. Visto do Marins o Marinsinho mais parece o Pico Paraná, um outro maciço que se ergue da crista e atinge 2.394 metros de altitude.

No topo entre os boulders há uma placa indicativa que dá a altitude errada de 2.432 metros. Oras, se o Marinsinho tivesse 2.432 metros, por que chama-lo de Marinsinho e não de Marins (que tem na lista oficial furada do IBGE 2.420,7 m e na medição do Tácio 2.434 m e na do Pedro 2.427m)? Enfim...

Ficamos ali um bom tempo só fotografando e curtindo o visual quase que inacreditável. Nos esforçando pra ficar de pé lutando contra o vento que dava uma sensação térmica bem fria, depois de uns vinte minutos, começamos a descer. Ainda na descida acordamos em dinamizar nossa descida. O Pedro levaria a Camila ao Marins e eu ficaria encarregado de desmontar o acampamento. Em meia hora chegamos lá, eles subiram o Marins e eu fiquei pra trás. Recolhi água, purifiquei com clorin e comecei a arrumação do nosso “condomínio”.

Arrumei tudo, desmontei as barracas, coloquei lona no sol pra secar, preparei minha mochila e enquanto esperava pelos dois ainda fiz algumas fotos e vídeos. Chegaram quase uma da tarde com fome. Falaram tanto de comida que resolvi almoçar também!

Então preparei minha última feijoada pra compartilharmos junto de açaí liofilizado e suco de jabuticaba. Uma farofa do Pedro completou a feijoada que virou o bate-entope mais saboroso da História. Um banquete a 2.240 metros de altitude, ainda sob ventos fortes. Ainda na refeição continuaram os vazamentos de gás natural. Que ironia, chegando a São Paulo mais tarde naquele dia encontrar gás pro carro seria um problema kkk...

Começamos a descer tranquilamente exatamente às 13:45h. Já estávamos completamente sós na trilha e apesar de previsão dar chuva e a pressão estar muito baixa desde sábado pela manhã, nada aconteceu. Ao contrário do previsto, o céu estava limpo com poucas nuvens e o sol torrava o couro. Fazia frio lá em cima, mas a partir do momento que baixamos da linha dos 2.000 metros, já com contato visual do morro do careca, o calor maltratava. Chegando ao morro do careca a 1.800 metros nos apressamos pra chegar à fazenda, sair do sol era tudo que importava a essa altura do campeonato. Eventualmente alguém descia mais rápido impulsionado com o vazamento de gás natural, mas isso fez parte de todo o final de semana praticamente então não tinha reclamação, só risadas!

Após exatamente 150 minutos de descida chegamos à fazenda, onde bebemos uma latinha de coca-cola batendo papo com o Milton. Troquei de roupa por uma muda limpa que deixei no carro, ainda ficamos lá por mais ou menos uma hora conversando com ele. Até que quase seis da noite descemos em definitivo a Serra.

Pela estrada a luta pra encontrar um posto com GNV disponível, não satisfeitos com a busca, parando em um posto que encontramos o gás, resolvi contribuir com o abastecimento. Abri a porta do carro e deixei o vazamento rolar. O Pedro voltava pro carro e parou já na porta. Havia um gambá morto no carro! Ninguém aqui faz idéia do cheiro que tomou conta do carro. Saímos todos de dentro às gargalhadas, ninguém entendia de onde vinha tanto gás natural, não acabava!

E assim foi até chegar a São Paulo. O Brasil precisa investir uma grana em um gasoduto novo, muitos, muitos vazamentos kkkkkkk...

Pedro me deixou lá em casa e voltou pra estrada com a Camila. Eu estava exausto de sono acumulado, com algumas dores musculares, mas feliz. Finalmente pisei no cume do Pico do Marins. Ainda fico devendo o Itaguaré, mas a montanha sempre estará lá na próxima semana. Se eu fizer tudo que preciso fazer correndo, não sobra nada pra depois certo?

Fiz fotos lindas ao longo desses dois dias. Algumas delas...

Videos e fotos:




















Na subida...



Pouco antes de começar o pôr do sol.



Alunos do CAP fotografando o pôr do sol.



Panorâmica: Marinsinho, Pedra Redonda e Itaguaré. Visão desde a subida do Marins.



Parece photoshop não? Do jeito que saiu da câmera montei a panorâmica e taí o resultado. Que luz...



Pôr do sol 1.



Pôr do sol 2.



Cume do Marins. 2.427 metros. Eu.



Cume do Marins. 2.427 metros. Pedro.



Barraca do Pedro a noite.



Estreiando luva nova. Veio de um amigo do Summitpost, Radek, Estados Unidos.



Depois do café da manhã, antes de subir o Marinsinho. Fazia frio!



Auto-retrato no cume do Marinsinho.



Pedro e Camila no cume do Marinsinho a 2.394 metros. Ao fundo a parede do Marins.



Nosso acampamento.



Bonita esta flor rasteira, não sei o nome.



Camila e Pedro descendo do Marins.



O Marins!


É isso aí, espero que curtam.

Abraços a todos!

Parofes

5 comentários:

JOPZ_B1B disse...

Muito bom o registro, belíssimo local e mais uma aventura legal. Obrigado por compartilhar a experiência, taí um lugar que agora entrou na lista pra conferir... por ali só conheço as Agulhas Negras e a travessia da SERRA FINA.

intepz,

JOPZ

Wéll Bericat disse...

O Marins é muito bonito mesmo, de lá o por do sol é um dos belos que já ví... Belas fotos!!

Paulo Roberto - Parofes disse...

Valeu JOPZ e Well pelos comentários!
Fiquei fascinado pela montanha e com certeza voltarei ainda esse inverno!
Abração pros dois
Parofes

JOPZ_B1B disse...

MARINS CONFERIDO PESSOALMENTE. É um belo maciço, achei mais bonito visto de longe (lá do careca) do que de perto. Com certeza vc pegou um dia muito mais bonito, o nosso céu não estava tão azul. Deixamos para atacar o cume pela manhã, mas o dia chegou com chuva, então devido a uma perna 1/2 ruim eu optei em não atacar o cume e segui direto para o itaguaré... a trilha me mostrou que apesar de tudo (tão perto e tão distante), foi a decisão correta.

JOPZ

Paulo Roberto - Parofes disse...

Que bom que gostou cara!
Ano que vem volto lá com certeza, vamos ver se marcamos.
Abraços