domingo, 19 de abril de 2009

Uma conquista, um fracasso.

No mundo do montanhismo, os protagonistas que sao os montanhistas precisam encarar sempre na sua vida na montanha aquele terrivel momento "Vou voltar porque nao da mais". Acabei de passar por isso.

Combinei com um guia local de La Paz (excelente por sinal) de fazer uma investida ao Tarija e Pequeño Alpamayo. A investida seria rapida tambem, com apenas uma noite de acampamento na base do macico do Condoriri, a 4.700 msnm. Aluguei a bota plastica da ASOLO e um par de crampons e vamo que vamo.

Ele me pegou com o transporte ontem cedo e de cara tive uma surpresa, ele estava levando o proprio cozinheiro! Nao combinei isso, mas ele me disse que nao queria ocupar a cabeca cozinhando e sim me guiando profissionalmente e com qualidade, tudo bem. Tomamos nosso rumo para o vilarejo de Tuni, que fica a 4.448 msnm. De la fizemos o trekking ate o AB de mais ou menos cinco quilometros.

Chegamos, montamos acampamento, tirei dezenas de fotos daquele lugar maravilhoso, de animais, formacoes rochosas, das lagunas e claro, lindas demais...e quando foi 18h nos recolhemos para dormir, pois comecariamos a investida as 02:00h (madrugada).

Obviamente nao consegui pregar os olhos nem um minuto. Estava super excitado pela chance de escalar o Tarija e o Puequeño Alpamayo! Isso ja foi um erro. Na hora do cafe da manha, outro erro. Nao quis comer nada, so bebi dois copos de cha de coca, nao pra aclimatar porque ja estou muito bem aclimatado, mas porque adoro o cha.

Muito bem, me levantei meia noite sob um frio dentro da barraca de apenas 1 grau. Me preparei, vesti tudo e sai para ficar olhando o ceu absurdamente estrelado no frio de -4 graus, ate ai tudo bem...he he he

Quando eles se aprontaram, seguimos pela trilha na madruga, com lanternas de cabeca. Apos um trekking de aproximadamente uma hora e meia chegamos a base da geleira do Condoriri, que leva ao Tarija e ao Pequeño Alpamayo. Coloquei o segundo par de luvas, a balaclava, os crampons, empunhei meu piolet (emprestei o outro pro cozinheiro), coloquei a cadeirinha, mosquetao, nos cordamos os tres e comecamos a subida.

Segundo problema, a bota plastica. Maldicao de bota! Eu usava dois pares de meia profissional para alta montanha que comprara no dia anterior, e mesmo assim elas me machucavam muito as canelas e panturrilhas. Tudo bem, continuamos. Adotei o esquema meio que carangueijo, andando meio de lado para amenizar a dor na escalada.

Tudo piorou quando contornamos uma greta gigante e a inclinacao da geleira passou a ser de cerca de 60 graus. Foi duro, mas delicioso escalar...Nao para por ai, comecou a ventar, e aquela neve poeira corria pra todo lado...A temperatura comecou a cair.

Depois de tres horas escalando a geleira, os tres cordados, desviando de gretas enormes, lindas e mortais, senti meus dedos congelando, olhei para o relogio e ele marcava -14 graus. Okay, so faltava essa...Tive medo da maquina congelar e deixei ela dentro do casaco o tempo todo, era duro tirar foto portanto, da escalada em si, so tirei 6 fotos e fiz um video.

Resolvi alternar as maos e reduzir minha seguranca pra salvar os dedos. Alcei o piolet no punho, e guardei a mao no bolso. Quando ela ficava melhor, eu trocava de mao e isso se repetiu ate o sol sair. Pra melhorar mais ainda a escalada, a neve estava muito fofa nos ultimos 100 metros de desnivel da geleira, e mesmo de crampons, dois passos para frente, um para tras. Isso foi terrivel...gastei muita energia.

Chegamos no cume do Tarija as 07:45h da manha, o sol ja saia o que atrapalhou bem as fotos no cume da montanha, pois eu queria tirar uma foto com o P. Alpamayo ao fundo. Descemos do cume e nos afastamos uns 30 metros para a lateral, e de la conseguimos um angulo legal para as fotos.

Foi ai que eu chamei o meu guia e disse: "Erwin, um montanhista que preze a propria pele deve saber a hora de retornar. Se eu continuar contigo agora tenho certeza, chegaremos juntos ao cume do p alpamayo, mas na volta voce tera que me carregar porque esgotei minhas energias. Por isso, prefiro fotografa-lo e voltar. O que voce acha?"

E ele me respondeu: "Paulo, voce tomou uma atitude de montanhista, confio no seu julgamento, vamos descer."

Foi muito duro pra mim chegar a essa decisao. Quando atingimos o topo da geleira e so um declive de uns 45 a 50 graus com um desnivel de so uns 40 ou 50 metros me separavam do cume do Tarija, eu ja estava acabado. Pensei comigo mesmo "vamos la, mais um pouquinho, so ate o cume do Tarija pelo menos...", e fui.

Quando percebi que nao teria mais forcas pro retorno, o que eu considero a parte mais importante de qualquer investida a montanha, seja ela alta ou nao, comuniquei ao Erwin minha decisao e chorei. Chorei de felicidade por ter conquistado o cume do Tarija, e por estar ali, de frente pro Pequeño Alpamayo, meu desejo de conquista de quase dois anos.

Mas nao fiquei triste nao, pelo contrario, me sinto um baita sortudo por ter "mirado" o pico ali, cara a cara. Infelizmente fui derrotado pela soma de circunstancias com as quais nao contava: Nao ter dormido, nao ter tomado cafe da manha, frio intenso na geleira, quase congelamento das maos, neve fofa demais, a dor intensa causada pelas botas, e sei la mais o que...so faltou diarreia.

O frio foi delicioso, eu adoro o frio, mas foi intenso. Meu reservatorio de agua dentro da mochila, virou um bloco de gelo. Minha barra de chocolate congelou. O sanduiche que o cozinheiro me deu pra comer quando chegassemos ao cume virou uma pedra, tudo isso dentro da mochila. Parece exagero mas nao e...

Foi demais...Intenso, maravilhoso, genial, nao sei ao certo descrever a sensacao que tive quando paramos na frente da geleira as 03:30h da madruga, e enquanto colocavamos o equipamento a geleira "cantava" seus sons essencialmente naturais enquanto o gelo rachava...e esse som ecoava por todo o vale, pois era muito alto!

E isso ai, felizmente eu fui sabio e decidi retornar. Uma conquista no dia era suficiente, e tive forcas pra retornar ao solo no final da geleira, onde paramos por uns 20 minutos e comi a barra de chocolate congelada pra repor as energias pro trekking de retorno ao Acampamento Base.

Nesse mesmo dia outros grupos tentaram o Pequeño Alpamayo e todos desistiram por causa das condicoes do gelo, coberto de neve fofa, e do frio forte no comecinho do inverno...

E isso ai...

Cerro Tarija. Macico do Condoriri.
5.300 msnm
Temperatura no cume sem vento: -5 graus. Temperatura encarada na geleira: -14 graus

27.937 metros concluidos do projeto.


Abracos a todos! Vamos as fotos:


Se olhar com atencao da pra ver a agua congelada dentro do tubo...



Eu no comeco da descida da geleira, lago Titicaca ao fundo



Barra de chocolate congelada.



Pequeño Alpamayo, um sonho perdido!



Erwin e eu buscando posicao boa pra foto de cume no Tarija.



De volta ao AB, exaurido, deitei no chao e dormi. A foto quem tirou foi o cozinheiro!

6 comentários:

Alessandra disse...

Entao querido, nada de tristeza ou frustraçao. Eu acho que dar muita importancia ao cume eh um jeito muito triste de nao aproveitar a ida, o caminho, a escalada, que pra mim eh o que realmente importa...pense nisso, talvez concorde comigo :) Parabens!!! E aproveite sua viagem!!!!!!

Anônimo disse...

Paulo parabéns pela empreitada, sua decisão demostrou o respeito pela montanha e pelos próprios limites, todos os montanhistas que já enfrentaram as grandes montanhas passaram por situações semelhantes, devemos saber a hora de regressar, o Pequeño Alpamayo ainda estará lá por um bocado de tempo.
Ficou só a fissura, imagino sua frustação pois do Tarija dá para quase tocar com as mãos essa magnífica montanha.
Reginaldo Carvalho - Joinville-SC

Davi Augusto Marski Filho disse...

volte lá outra vez, a montanha estara lá durante um tempao ainda.. e a escalada do pequeno alpamayo é maravilhosa (que montanha bonita !)

bom relato, gostei ! abs e boas escaladas !

Paulo Roberto - Parofes disse...

Reginaldo,

Obrigado pela visita cara, pela leitura e pelo comentario!
Pena que nao deixou e-mail de contato!
E tem razao, o Pequeño Alpamayo cabe na mao visto do Tarija...sensacional!
Abracos

Pedro Hauck disse...

Que derrota que nada! Lembra do que eu te disse sobre a soma dos erros... pois bem, desistiu na hora certa.
Lembre-se que ainda não é temporada e as condições que vc pegou eram muito desfavoraveis. Depois de um desempenho de ter subido tantas montanhas em tão pouco tempo, pode ter certeza que na sua segunda investida vc chegará lá. Parabéns pela coragem e pelo verdadeiro espirito de montanhista

Mario Nery disse...

Foi o mesmo comigo e mais alguns amigos no Huayna Potosi em julho/2009. Voltamos dos 5700m pois nossa água tinha congelado dentro da mochila e no meu caso por que eu não aguentava mais o esforço. Sabia que se subisse ao cume não conseguiria baixar em segurança. É alta montanha é assim mesmo. Foi minha primiera experiência no gelo/neve e com certeza voltarei até o Huayna. Forte abraço e boas escaladas!